sexta-feira, 17 de maio de 2024

O Violão do Rochinha: O Último dos Moicanos

 

Foto: Marcus Gomes


Por dezessete anos, dediquei-me ao nobre ofício de fabricar instrumentos de cordas, auxiliando meu saudoso pai. Dez desses anos foram dedicados a criar meu próprio violão, um sonho que, infelizmente, nunca se concretizou.

Eu dominava apenas o básico da construção, enquanto meu pai cuidava do cavalete, braço e escala. Meu violão ficava impecável: todo boleado, com laterais e fundo de macacaúba, tampo de pinho e braço de cedro. No entanto, sua permanência em minhas mãos era efêmera; meu pai o vendia ao primeiro cliente que aparecia.

Ano após ano, eu desistia de possuir meu próprio violão. Até que, um dia, peguei um instrumento quebrado, colei, lixei e envernizei. Meu pai fez um enxerto no braço, substituindo-o por um pedaço de um “Di Giorgio”. Quando finalmente ficou pronto, levei-o para casa. Era o meu tão sonhado violão.

Incrivelmente, esse violão fez história. Ele é a única lembrança do Luthier Rochinha, com sua assinatura e a data de 1967 gravadas. Hoje, com 57 anos de fabricação, é uma relíquia.

Permita-me compartilhar um pouco da minha história como auxiliar de luthier:

Nasci na década de cinquenta, na Santa Casa de Misericórdia em Manaus. Logo após o nascimento, fui levado diretamente para a oficina de fabricação de violões, que também servia como nossa casa. Cresci imerso no aroma de serragem, vivendo em um flutuante (uma casa sustentada por grandes toros de madeira) no Igarapé de Manaus.

Lá, aprendi a engatinhar e a andar, além de absorver o ofício de fazer violões sob a tutela de meu pai, Rochinha. As técnicas de fabricação de instrumentos de cordas foram transmitidas a ele por um senhor conhecido como Nascimento, proprietário de uma pequena oficina de violões nos porões da Casa Alba, no centro antigo de Manaus. Esse senhor, por sua vez, havia adquirido conhecimentos de um grande mestre português no início do século passado.

Com o desmonte da Cidade Flutuante no final dos anos sessenta, mudamos para uma casa alugada. A oficina foi transferida para os porões da mansão dos Bringel, na esquina da Rua Igarapé de Manaus com a Rua Huascar de Figueiredo. Lá, durante dezessete anos, ajudei meu pai no sagrado ofício de carpinteiro, moveleiro e artesão. Além dos violões, também fabricávamos cavaquinhos, bandolins, portas, janelas, mesas, cadeiras e tamboretes.

Naquela época, a palavra “luthier” não era comum; a profissão de meu pai era conhecida simplesmente como “artesão”. Não tínhamos máquinas poderosas, apenas uma pequena serra elétrica e muitas ferramentas manuais. A criatividade e o suor eram nossos principais recursos.

Minha função era auxiliar, e meu trabalho era árduo. Buscava “bucho de Tambaqui” no Mercado Municipal Adolpho Lisboa para fazer nossa cola (que era excelente para colar madeiras). Serrava peças de macacaúba (uma árvore nativa) para o fundo dos violões. Lembro-me bem da dureza dessa madeira! Realizei muitos exercícios físicos, como serragem, plainagem, envernização e colagem, sem precisar frequentar uma academia de musculação.

Durante anos, meu pai repetia aos amigos que seus filhos não tinham a vocação para o ofício. Na verdade, ele não desejava que seguíssemos sua bela profissão. Seus sonhos para nós eram outros: queria que nos tornássemos “doutores”. Minha rotina era intensa: trabalhava pela manhã e estudava à tarde, sem folgas. As raras horas de lazer eram preenchidas com brincadeiras com a molecada do Igarapé de Manaus, mas sempre com a certeza de uma “peia” ao voltar para casa.

Hoje, recordo com saudade minha infância e adolescência, marcadas pelo trabalho como auxiliar de luthier. Na oficina do meu pai, tive a oportunidade de conhecer cantores, músicos, amantes da boa música, compositores, artistas, jornalistas, poetas e até doutores. Nos fins de semana, eles se reuniam para cantar e tocar os instrumentos do meu velho. Esses encontros me inspiraram a frequentar os locais onde os “Regionais de Manaus” se apresentavam, como os bares Caldeira, Loura, Gestina, Walter e Jangadeiro.

As pessoas frequentemente me questionam por que não segui a bela profissão do meu pai. Confesso que essa dúvida me angustia. Agora, estou seriamente considerando mudar o rumo. Para começar, buscarei orientações dos discípulos do saudoso luthier Rubens Gomes, da Escola de Lutheria da Amazônia (OELA).

Minha ideia é reunir meus irmãos – um contador e um vendedor nato – e eu, um administrador. Juntos, levantaremos recursos junto à Agência de Fomento do Estado do Amazonas, faremos convênios com o INPA na área de madeiras e descobriremos fornecedores de madeiras certificadas com selo verde. Quem sabe assim, ressurgiremos das cinzas com uma nova oficina de violões.

Quanto ao nome, “Di Rocha” parece uma homenagem perfeita ao meu pai. Está na hora de deixar de ser apenas um auxiliar e me tornar um fabricante de violões! Sonhar não custa nada.

Enquanto esse sonho não se concretiza, o último exemplar de violão construído por meu saudoso pai permanece guardado a sete chaves. Ele é o “Último dos Moicanos”.