No início de minha
carreira profissional, trabalhei em três empresas localizadas no centro de
Manaus: Central de Ferragens, Lojas Populares (Braga &
Cia.) e Importadora Souza Arnaud (todas extintas), onde tive a oportunidade de
conviver e observar durante quase uma década o comportamento dos camelôs e da
malandragem da parte central da cidade, na época do “boom” do comércio de importados da Zona Franca de
Manaus.
Os comerciantes ambulantes
informais, conhecidos como “Camelôs” sempre estiveram presente aonde existem
grandes movimentações de
pessoas e de circulação de dinheiro.
Nas décadas de 70 e 80 o
centro da cidade fervilhava de turistas brasileiros, pois o mercado do Brasil
era fechado às importações, tornando a Zona Franca uma “Meca” para compras de
produtos “Made in Japan, Hong Kong
& Companhia”.
Em decorrência desse
grande fluxo de pessoas, os “camelôs” marcavam presença e eram combatidos pelos
lojistas e perseguidos pela Guarda Municipal, conhecidos como “Rapa” que levavam
tudo do caboco que dava bobeira.
Por existirem uma grande
circulação de pessoas e dinheiro, misturado com produtos disputadíssimos, os
ambulantes e a malandragem imperava naquela área central.
Como comentei acima,
trabalhei em três empresas, exercendo a nobre função de expert em comércio
exterior, onde foi possível verificar “in loco” toda àquela movimentação das
ruas e, como um bom observador
que sou, guardei muitas coisas num cantinho de minha memória, para um dia escrever em
nosso blog para os mais jovens da nossa Manaus.
Quando eu saía da empresa
para almoçar, ficava olhando a atuação de alguns camelôs e suas estripulias:
1. Alguns
gritavam bem alto: “Temos fitas cassete TDK, radinhos a pilha, jogos Atari, rádios-relógio,
pilhas, baterias e
brinquedos, tudo importado. Mulher bonita, não paga, mas também não leva!”;
2. Quando
passava uma morena avantajada, uns falavam: “Eita Capu de Fusca Arrumado, este nasceu
e foi criado, sem calcinha, nas águas barrentas do Rio Solimões!”;
3. Tinha
uns caras que andavam com um saco de juta contendo algumas bolas pequenas de
plástico. No
interior da boca utilizavam um apito que tinha igualmente o som de um gato miando em desespero. O
safado largava a peia com um pau no
saco e assoprava o apito como estivesse maltratando os supostos gatos. A grande
maioria dos turistas achava aquilo um horror e parava para pedir: “Pelo amor de Deus pare
com isto!”, o camelo falava que era apenas um apito e que não existe nenhum
gato dentro saco, vendendo na hora um exemplar.
4. Eles
pegavam uma nota de papel moeda, tipo 10 Cruzeiro, e amaravam a uma linha fina de
pescaria. Quando
passava um sujeito e avistava aquela grana no chão, olhava para um lado e para
outro e ao se abaixar para pegar a nota, o camelô puxava a linha e a
negada caia na gargalhada deixando o camarada vermelho e com aquela cara de
leso;
5. Certa
vez, um camelô comprou numa loja de importados um brinquedo tipo Robô, que andava para
lá e para cá balançando os braços. Falou e disse que aquele robô iria dar um
pulo de vinte metros, dando várias cambalhotas no ar e cairia em pé. Eu e uma
multidão ficamos interessados em ver aquilo. O cara era bom de gogó, falava que
nem a preta do leite e, nada do robô sair do chão. Quando já tinha “gente
saindo pelo ladrão” ao redor do dito robô, o malandro começou a falar de um remédio milagroso que curava
dezenas de doenças, todos compraram, incluindo o abestalhado aqui, o cidadão
inventou uma desculpa e “pegou o beco”. Era placebo! Pense.
6. No
meio deles se enturmava “a fina flor da malandragem manauara”. Na época, o
desejo de consumo chamava-se “Vídeocassete
Player, Toca-Fitas e Aparelhos de Som”, o pilantra escolhia a sua presa
(geralmente um turista com cara de abestalhado) e falava: - Mano, eu tenho um
vídeo cassete de primeira linha, na caixa, vendo pela metade do preço, com nota
fiscal e tudo! O olho do camarada arregalava e imaginava que iria ganhar uma
montanha de dinheiro em sua cidade origem. Levava o sujeito por várias ruas e
parava na Rua Marechal
Deodoro bem em frente à Galeria Central, pedia uma entrada em grana para ir
buscar o produto, o malandro
descia até a Avenida Eduardo Ribeiro e sumia no mundo, o coitado do cliente deve
estar se lamentando até hoje;
7. O
jogo de azar imperava entre eles: Porrinha (sempre ficava um de olho nos
palitos que alguns jogadores colocavam nas mãos e fazia gestos para um ganhar a
grana dos otários). Sempre era valendo uma grana ou cerveja. Tinha, também, a
Maria Pretinha. Um manipulava o jogo e outros dois fingiam serem jogadores
que supostamente estariam ganhando muito dinheiro, chamando a atenção de curiosos. O camarada tinha muita
habilidade nas mãos conseguindo trocar as bolinhas para que não tivesse
ganhador. Tinha o Golpe da Baluda e do Falso Bilhete. Eram aplicados nas saídas de bancos, quando a vítima
era atraída por um bloco de papel que imitava grandes quantidades em dinheiro. O outro é a troca de uma quantia em
dinheiro da vítima por um bilhete
supostamente premiado;
8. Quando
vendia um produto importado e o cliente perguntava se havia garantia, eles respondia na maior: “A
Garantia soy yo”.
Na primeira administração
do Prefeito Arthur Neto, em 1988, ele
mandou “baixar o cacete” nos camelôs. Foi uma perseguição implacável.
Muitos anos depois, no segundo mandato de alcaide de Manaus, tirou uma parte dos camelôs de
centro e os recolocou nos chamados em mini shopping populares, para diminuir o
peso em sua consciência.
O tempo passou e tudo
mudou, porém, os camelôs continuam no centro da cidade, agora na qualidade
de micros empreendedores.
Acho que a malandragem não
existe mais como nos velhos tempos do auge da Zona Franca. Ou continua?
É isso ai.