Por José Rocha
CINE POLYTHEAMA - Por ficar
próximo à minha rua, era um dos que eu frequentava na minha infância. Minha
meia-irmã Kelva trabalhava no Cine Polytheama como bomboniere (vendedora de
bombons e goma de mascar), ficando às vezes na portaria quando o movimento
estava fraco. Era o momento certo para eu entrar sem pagar e ainda desfrutar de
algumas balas de minha preferência, o gardano (sabor menta). O Cine Polytheama
ficava na esquina das avenidas Sete de Setembro e Getúlio Vargas, e pertencia à
empresa São Luiz (nome de fantasia do grupo Severiano Ribeiro). Seu nome era
uma junção de “poli”, de origem latina, significando muito, e “theama”,
procedente do grego, denotando espetáculos, ou seja, muitos espetáculos.
Trata-se de uma denominação utilizada em diversos cinemas e teatros no Brasil.
A saída dava-se pela Avenida Sete de Setembro. Com problemas estruturais sérios
e sob fiscalização rigorosa da Prefeitura e do Instituto Nacional do Cinema, o
estabelecimento teve as suas portas fechadas definitivamente. O Instituto do
Patrimônio Histórico e Artístico Nacional está mais vigilante, pois, a partir
de 2012, todo o centro histórico de Manaus foi tombado. Infelizmente, os cinemas
de Manaus foram destruídos antes da proteção por lei. Atualmente, abriga uma
loja de departamentos. Conservada a parte externa pela Avenida Sete de
Setembro, o restante do prédio foi totalmente destruído pelo “progresso” e
falta de sensibilidade por parte do proprietário e empresários.
CINE GUARANY - Eu contava com
a opção de assistir sem pagar no Cine Polytheama, mas o cinema de minha
preferência era o Cine Guarany, que eu frequentava aos domingos, sempre na
sessão das 12h45, quando passavam dois filmes: um de bangue-bangue (faroeste) e
outro sobre o império romano. O Guarany ficava na Avenida Sete de Setembro,
esquina com a Rua Leovegildo Coelho, tendo sido originalmente Cine Olympia,
depois Cine Teatro Alcazar. Foi construído com um estilo arquitetônico inspirado
no Oriente Médio (mourisco). O último proprietário foi o empresário Adriano
Bernardino, tendo na gerência o Vovô Vasco. O aniversário do cinema ocorria no
dia 6 de agosto, ocasião em que a cidade ficava em festas, com a programação
iniciando bem cedo, com fogos de artifício soltados às seis da manhã, além de
ser tocada repetidamente nos alto-falantes a ópera “O Guarany”, do maestro
Carlos Gomes. Nesse dia, assistia-se a Cinema ao Ar Livre, com a tela montada
no teto do Bar do Pina (que ficava em frente ao cine), passando filmes desde as
nove da manhã até às oito da noite. Durante o dia, eram distribuídos centenas
de brindes, além de bombons, balões e gibis para a petizada. Este cinema fechou
definitivamente as suas portas, sob intenso protesto dos manauaras. Presenciei
a derrubada do prédio para dar lugar a uma nova edificação, que abriga uma
agência bancária. Foi mais um prédio histórico que foi destruído pelos
empresários e pessoas insensíveis que não tinham o menor respeito pela nossa
história. Ficou somente a lembrança e nada mais.
EU
E O CINE GUARANY -
Antes de ir ao cinema, eu passava parte da manhã tomando banho no igarapé,
pulando da ponte, tanto que, quando dava conta do horário, já era próximo do
meio-dia. Corria até em casa, tomava um banho rápido para tirar o cauixi e
vestia às pressas a domingueira. Não dava tempo para almoçar. Saía correndo em
direção ao cinema que, ainda bem, ficava próximo à minha residência. Enquanto
estava na fila para comprar o ingresso, aproveitava para saborear um
famosíssimo cachorro-quente (sanduíche de pão com picadinho de carne), servido
com refresco de maracujá. Eu gostava de observar a estratégia de um pedinte
chamado Jaú. Um senhor moreno de idade, que ficava remexendo umas moedas
antigas (patacão) nas mãos, a fim de chamar atenção dos que estavam na fila dos
ingressos. Vez ou outra, fazia o pedido: “Uma esmolinha para o cego, uma
esmolinha, por favor!” Os mais velhos diziam que ele não era totalmente cego,
pois sempre conseguia desviar-se dos homens. Das mulheres, nem tanto, indo
direto aos seios, daí ser conhecido por Jaú Mão Boba. Gostava de ficar na área
de cima, chamada de poleiro. Quando as luzes se apagavam, era o momento certo
para xingar, jogar papel e cuspir no pessoal que ficava no térreo. Algumas vezes
era pego, ocasião em que não se livrava de uns doloridos cascudos; outras, era
somente advertido pelo lanterninha Farias. Tudo era diversão: o sinal sonoro
avisando do início da sessão, o barulho dos ventiladores centrais e laterais, o
fechamento das portas de madeira, a escuridão, a abertura das cortinas do telão
e o piscar das luzes multicoloridas, o defender do ataque dos veados
(homossexuais) que davam em cima dos jovens, os gols da rodada e a gritaria da
molecada enxotando o “Condor” para iniciar o filme. Isso marcou a vida de toda
uma geração. Lembranças que ficam para sempre.
ASSISTINDO AO FILME “E O VENTO LEVOU” - Eu
vendia gibis usados em frente ao Cine Guarany. Sempre fui fissurado em cinema
desde a minha tenra idade. Ficava louco para entrar e assistir a um filme, não
importando qual o gênero. O importante era sentar numa poltrona e desfrutar da
Sétima Arte. Fiquei afoito para assistir ao famoso “E O Vento Levou” (que versa
sobre a Guerra Civil americana, com o acidentado romance entre a bela e mimada
Scarlett O’Hara e o cínico e aventureiro Rhett Butler, naquele que é
considerado o maior filme de todos os tempos. Superprodução de 4,25 milhões de
dólares, o mais caro até então e, em se tratando de atualização monetária, um
dos mais caros de todos os tempos). Havia dois problemas: primeiro, era de
longa duração, em torno de quatro horas e, segundo, o juizado não permitia
menor de doze anos entrar para assistir à película. Minha intenção era entrar
na marra. Com um olho no gato e o outro no peixe, quando o porteiro abriu a
guarda, dei aquela furada (entrar sem pagar). Corri na escuridão do cinema,
fiquei quieto na última fila de um lugar chamado poleiro, com um olho na tela
grande e o outro no “lanterninha” Farias (funcionário que usava uma lanterna
para ajudar as pessoas a encontrar uma poltrona vazia), para não ser pego de
surpresa. As quatro horas passaram num passo de mágica e, na saída, misturei-me
à multidão, saindo sem ser notado. Já era quase meia-noite. Quando me
aproximava da cabeça da Ponte Romana I (na Avenida 7 de Setembro), uma multidão
veio ao meu encontro, sem que eu soubesse o que estava ocorrendo. Nessa
ocasião, choveram perguntas sobre o meu paradeiro. Fiquei meio sem jeito, mas
falei que estava assistindo ao filme “E o Vento Levou”, e nada mais! Avisados
os meus pais, estes começaram a chorar de alegria quando me avistaram, pois
tinham mobilizado os moradores da Rua Igarapé de Manaus e seu entorno para
procurar-me. Na época, a cidade de Manaus era bem pacata, as crianças brincavam
na rua até no máximo às nove horas da noite, quando todos entravam em suas
casas. Fiquei proibido por uns meses de ir ao Cine Guarany. A peia eu encarei
sem chorar, mas ficar sem assistir a um filme foi um martírio; chorava todo
final de semana. Mas não teve jeito, tive que cumprir o castigo.
Fonte: Livro e-book ‘O Igarapé de Manaus, José Rocha’