Foto: José Rocha
Tempos atrás resolvi tirar fotografias dos frontispícios (em arquitetura é a fachada principal de uma casa ou edifício) de alguns casarões do centro antigo de Manaus, um dos que mais chamou atenção foi do casarão da Rua Ferreira Pena 92 esquina com a Rua Monsenhor Coutinho, um imóvel que está abandonado pelos donos apesar da beleza e singularidade, o que me motivou a conhecer um pouco mais sobre a sua história.
Nas férias de junho deste
ano fui até a Igreja de Aparecida e voltei caminhando pela Rua Monsenhor
Coutinho, onde encontrei com um vizinho da Rua Tapajós, no trajeto apontei para
o imóvel da esquina com a Ferreira Pena e falei que sentia muito por aquele
casarão tão bonito estar em estado terminal, ele falou que ali morou a socialite
Charufe Nasser.
Horas depois, foi até a Biblioteca
do Sesc na Rua Henrique Martins, onde pesquisei e encontrei o livro “A Sultana
do Seringal”, da Charufe Nasser, editado em 2006, pela Editora Valer, no qual a
autora confirma que morou naquele lugar e escreveu algumas coisas sobre o
imóvel.
A Charufe Nasser escreveu
que o imóvel pertenceu ao Senhor Verniot, pesquisei na internet, mas nada
encontrei a respeito deste cidadão, apenas anúncios de leilões que aconteceram
em 1935, publicados pelo Jornal do Commercio, onde foram disponibilizados uma
variedade enorme de móveis e utensílios finos importados da Europa,
demonstrando que aquele imóvel pertenceu a uma família rica da belle époque.
Geralmente os donos dos imóveis
antigos de Manaus mandavam colocar nos frontispícios a data de sua construção,
mas este em particular não encontrei nada.
Além do trabalho de arte na
fachada principal, chama muito atenção as grades e portões de ferro, além de um
trabalho decorativo na parte externa do alto de todo o segundo andar.
O fausto do ciclo da
borracha durou até 1912, quando a riqueza começou a ter o seu fim, provocando uma
debandada geral dos estrangeiros, ficando apenas algumas famílias judias,
portuguesas e sírias libanesas que ficaram morada neste torrão e os seus descendentes
moram até os dias atuais.
A construção das novas
moradias não possuíam o mesmo gosto artístico como era no passado, dessa forma,
presume-se que este imóvel fora construído no início do século passado.
Descrição da Charufe Nasser
em seu livro sobre o imóvel em morou em sua juventude:
“...Aos treze anos de idade,
1959, apareceu uma oportunidade extraordinária: com dez filhos, papai pretendeu
se mudar para uma casa maior. O Casarão do Senhor Verniot, na esquina das ruas
Ferreira Pena com Monsenhor Coutinho, antigo Consulado da Itália. Os
proprietários levaram somente a roupa, pois papai comprou a casa com tudo
dentro. Cada um de nós escolheu seu quarto, que já estava prontinho, com
cortinas, lustre de cristal, abajures sobre as mesinhas de cabeça, penteadeiras
com espelhos franceses, guarda-roupas de madeiras nobres e tudo o mais. O piso,
no andar superior, onde ficavam os quartos, eram de tábuas corridas,
intercalando-se peças escuras e claras, como no Teatro Amazonas e no Ideal
Clube. No andar térreo, logo na entrada, deparávamos com um belo jardim coberto
por um caramanchão de buganvilas e, no centro, um chafariz com luzes coloridas.
Ao lado do chafariz, havia um enorme pinguim de gesso. Este conjunto era muito
bucólico e causava uma impressão diferente. Havia cadeiras de embalos feitas de
ferro batido – que temos até hoje – na varanda que dava para o jardim. Ao
entrar no salão, que tinha o piso todo de mármore de Carrara. Havia, até uma
peça de Lalique e lustres de Murano, vindos de Veneza. Na sala de visitas,
ficou meu piano, um Essenfelder que ganhei, aos oito anos idade. Foi uma fase
de encantamento descobrir os detalhes da casa, durante a nossa instalação. Era
na nossa casa que a juventude se encontrava para dançar, fazer reuniões e
bate-papos, organizar projetos culturais, ensaiar danças, como twist, rock and
roll, rali-gali, chá-chá-chá, tango e outros ritmos, fazer serestas, saraus,
enfim, era, ali, numa casa cheia de jovens alegres, que o melhor acontecia. Lá,
aconteciam as mais belas serenatas, as mais elegantes tertúlias, os fartos
almoços, as rodadas de pife-pafe. Lá, recebíamos grandes amigos, que ficavam
até altas horas, quando saía o jantar sempre com as melhores iguarias. Nós, os
jovens, ficávamos entre o pátio e o jardim, batendo papo ou cantando
acompanhados pelo piano, executado pelo amigo Elso, ou pelos seresteiros que
traziam os violões, cavaquinhos e atabaques. Pela meia-noite, saía um lauto
lanche, com coalhada, ovos fritos, sardinhas portuguesas (as enlatadas),
azeitonas gregas, que eram saboreadas com pão quente vindo direto do forno lá
do “Sujo”, uma padaria limpíssima que ficava em frente ao Rio Negro...”
Olha que relato bonito da
Charufe Nasser, da época dos anos dourados dos anos sessenta, dos tempos bons
em que as famílias tradicionais de Manaus viviam no centro e se orgulhavam da vida
boa em que levavam.
O tempo passou e tudo mudou.
Hoje, o centro está esquecido, feio e mal cuidado, mas ainda mantêm várias
casas, casarões e até palacetes bem cuidados e, outros, abandonados, como é caso
do “Casarão da Ferreira Pena 92 esquina com a Monsenhor Coutinho.
É isso aí.